"A nota oficial da Arquidiocese do Rio reclama, ainda, que a Igreja Católicas foi excluída da Comissão Tripartite criada pelo Governo, que elaborou a proposta de lei encaminhada ao Congresso e relatada pela atual candidata ao Senado. As Comissões Tripartites são compostas por membros que se dispõem a discutir uma questão a partir de parâmetros técnico-científicos e sociais. Os aspectos religiosos não devem ser objeto de análise destas Comissões, pois a Constituição Brasileira garante a livre expressão e manifestação religiosa, mas claramente estabelece que a relação entre o Estado brasileiro e as religiões é de separação. O Artigo XIX do inciso I veda à União e aos Estados estabelecerem cultos religiosos, subvencioná-los, embaraçá-los o funcionamento ou manter com eles representantes, relações de dependência ou aliança. Com este fundamento, pode-se afirmar que o Brasil é um Estado Laico, já que nenhum dos poderes e entes federativos pode manter dependência ou aliança com instituições religiosas."
Este é mais um parágrafo curiosíssimo... Faz-me pensar que ou a advogada não lê os documentos sobre o assunto a que se propõe discorrer ou, se os lê, não entende. Ambas possibilidades são graves.
O único trecho em que a Comissão Tripartite é abordada na Nota Oficial da Arquidiocese do Rio de Janeiro é em seu primeiro parágrafo, o qual segue abaixo:
"Em setembro de 2005, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, diretamente subordinada à Presidência da República, encaminhou à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados um Projeto de Lei elaborado por uma Comissão Tripartite (integrada por representantes dos Poderes Executivo e Legislativo e de entidades da sociedade civil, em cuja participação a Igreja Católica não foi admitida), e que propunha a descriminalização do aborto no Brasil." (Grifos meus)
Vem da fértil imaginação da Dra. Ventura a conclusão de que na Nota Oficial ia alguma forma de reclamação sobre a não participação da Igreja Católica na Comissão Tripartite. Para quem lê o trecho grifado acima na Nota Oficial (e o entende, claro) fica óbvio que a única coisa que lá está é a constatação de um fato: a Igreja não foi admitida na composição da Comissão. Podemos então perguntar de onde vem um tamanho salto especulativo por parte da advogada, assim como podemos indagar o porquê de tal atitude.
Na verdade, a advogada utilizou-se desta pseudo-oportunidade, que somente seus olhos viram, para abordar o fato de que a Igreja em passado recente cobrou os motivos de sua não-participação na Comissão. Vem daí a fantasia de que haveria uma "reclamação" na Nota Oficial.
Utilizando-se então de uma raiz fantasiosa para seu raciocínio, a advogada envereda pelo caminho que parecia desejar desde o início, que é a justificativa para a não-participação da CNBB na Comissão Tripartite. Pois bem, deixemos de lado todo o malabarismo retórico e ficcional executado pela advogada e aceitemos discutir as razões (??!!) por ela elencadas para o afastamento da CNBB da referida Comissão.
1) "As Comissões Tripartites são compostas por membros que se dispõem a discutir uma questão a partir de parâmetros técnico-científicos e sociais."
-- Faltou apenas a Dra. Ventura citar a fonte de um dado como este. Na Portaria no. 004, de 06/04/2005, emitida pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, não há qualquer referência aos tais parâmetros técnico-científicos aos quais refere a advogada. Nesta Portaria (para acessá-la, clique aqui), podemos ler logo em seu primeiro Artigo que a Comissão terá como função "discutir, elaborar e encaminhar proposta de revisão da legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez". Porém, em nenhum trecho é explicitado quais seriam os parâmetros que seriam utilizados para a discussão. Mais uma vez, fica a cargo da imaginação deveras fértil da advogada a visão de algo que não estava no texto da Portaria.
2) "Os aspectos religiosos não devem ser objeto de análise destas Comissões (...), pois a Constituição Brasileira garante a livre expressão e manifestação religiosa, mas claramente estabelece que a relação entre o Estado brasileiro e as religiões é de separação. (...) Com este fundamento, pode-se afirmar que o Brasil é um Estado Laico, já que nenhum dos poderes e entes federativos pode manter dependência ou aliança com instituições religiosas. "
-- Aqui vai um outro salto fantástico da advogada... Seu raciocínio simplório parece ser assim: o que vem da CNBB deve ser rejeitado, pois trata-se obscurantismo religioso. Ela parece não acreditar que representantes da CNBB possam atender seus tais "parâmetros técnicos-científicos e sociais". Mesmo se os parâmetros da Comissão fossem estes - e não o são -, não haveria qualquer dificuldade para a Igreja indicar pessoas de notório saber científico em áreas como Bioética, Direito, Biologia, Sociologia, etc. Dúvidas quanto a isto? É só checar a extensa lista de Universidades Católicas em nosso país. Aliás, caso a advogada não saiba, alguma destas universidades são de primeira linha exatamente na área de atuação da Dra. Ventura. Restam dúvidas ainda? Checar várias outras universidades católicas espalhadas pelo mundo.
3) "(...) pois a Constituição Brasileira garante a livre expressão e manifestação religiosa, mas claramente estabelece que a relação entre o Estado brasileiro e as religiões é de separação. O Artigo XIX do inciso I veda à União e aos Estados estabelecerem cultos religiosos, subvencioná-los, embaraçá-los o funcionamento ou manter com eles representantes, relações de dependência ou aliança. Com este fundamento, pode-se afirmar que o Brasil é um Estado Laico, já que nenhum dos poderes e entes federativos pode manter dependência ou aliança com instituições religiosas. "
-- Realmente, o Estado é laico, mas daí até se concluir que a separação entre Estado e as diversas religiões leva até uma não-participação de pessoas praticantes de uma determinada Fé na vida política da nação é coisa que escapa completamente à normalidade. Completamente anormal, também, é a relação que é feita entre a proibição explícita no texto constitucional com relação ao estabelecimento de vínculo do Estado com alguma forma de culto e a proibição de que por este motivo uma entidade como a CNBB esteja proibida de participar de uma Comissão de estudos. É nonsense completo seguir por este caminho. Para deixar mais claro o ridículo de uma tal afirmação, é só lembrarmos as parcerias dos vários níveis de governo com entidades tais como a Pastoral da Criança ou a Pastoral da Terra.
(Continua...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário