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terça-feira, agosto 25, 2009

A Lei da Igreja é o Amor

"Somente a ortodoxia católica faz o homem feliz: é como os muros postos ao redor de um precipício onde pode brincar uma porção de crianças" - G.K. Chesterton


A
firmo, sem qualquer sombra de dúvida, e afirmo com muito bom gosto, que a figura de D. José Cardoso Sobrinho é das mais positivas não só para o movimento Pró-Vida brasileiro quanto para o episcopado nacional.

D. José recebeu uma diocese complicadíssima, uma missão das mais espinhosas que poderiam ser dadas a um bispo brasileiro, e, no entanto, apesar de tanta gente torcendo e tomando concretas atitudes contrárias ao bom bispo, ele se houve muitíssimo bem à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife. O que estava perto de ser terra arrasada pelos abusos mil cometidos por gente que apenas instrumentaliza a Igreja para seus fins partidários-ideológicos, foi transformado por D. José em um terreno no qual a normalidade pôde vir à tona.

Falando especificamente de sua atuação Pró-Vida, D. José foi o bispo brasileiro que mais teve contato com a fúria de ONGs e imprensa abortista, principalmente devido ao tristemente famoso caso da menina de Alagoinha. Perde-se a conta de quantos adjetivos pejorativos foram dirigidos ao bispo, assim como incontáveis foram as linhas escritas para censurar-lhe as corajosas atitudes.

E quais foram seus crimes que causaram a fúria de uma turba que procurou desde o primeiro momento seu sumário linchamento moral? Apenas estes: tentar impedir aborto de duas crianças não-nascidas e afirmar a Lei da Igreja.

É um mundo bem triste um mundo em que a procurar a preservação da vida de crianças em estado extremamente frágil ganha ares de ofensa pública. E o mais trágico (ou irônico) é que aqueles que o acusam com o dedo em riste são os mesmos que comemoraram o cruel assassinato das crianças ainda no ventre de sua pequenina mãe. São os mesmos que cobravam uma atitude mais "humana" de D. José, são os mesmos que não hesitavam em afirmar, jocosamente e com indisfarçada satisfação, que era por isto que a Igreja perde fiéis, que são atitudes deste tipo que mostram o quanto a Igreja é "retrógrada", etc.; e isto apenas para ficar no que pode ser publicado...

É fato também que nada disto é surpresa. O caso da menina de Alagoinha, visto pelo ponto de vista abortista -- de ONGs, de imprensa, de anti-católicos, etc. -- foi uma oportunidade vinda das profundezas. Foi uma oportunidade para tentar amolecer os corações e mentes para a questão da liberação do aborto.

O que causa muita surpresa, porém, é a quantidade de gente que se diz católica e acha muito melhor, em casos assim, deixar de lado o que nos ensina a Igreja e ficar com o que vem do mundo. Esta cobrança que o mundo faz à Igreja para que ela se adapte às suas voltas não é nova, é coisa já bem velha e nossa resposta de forma nenhuma deve diferir da primeira vez que esta mesma questão nos foi colocada:

"27. Trouxeram-nos e os introduziram no Grande Conselho, onde o sumo sacerdote os interrogou, dizendo:
28. Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome. Não obstante isso, tendes enchido Jerusalém de vossa doutrina! Quereis fazer recair sobre nós o sangue deste homem!

29. Pedro e os apóstolos replicaram: Importa obedecer antes a Deus do que aos homens. " [Atos dos Apóstolos 5, 27-29
As palavras de São Pedro ecoaram durante toda a história da Igreja até serem proclamadas de forma diferente, mas com o exato conteúdo, por D. José Cardoso Sobrinho. A um mundo -- ONGs, imprensa, anti-católicos, "católicos", etc. -- que lhe exigia a capitulação frente ao seu "humanismo" distorcido, que lhe exigia o ajoelhar simbólico ante sua vontade, D. José foi corajoso o suficiente para reafirmar o valor intrínseco da vida humana e o valor da Lei de Deus.

Há gente, e, infelizmente, é forçoso dizer, há até bispos que parecem acreditar que D. José deveria ter agido de forma diferente. Pergunta-se: em quê? E esta pergunta é dirigida exatamente àqueles que se dizem católicos... Como atuar diferentemente do que fez D. José e ainda poder dizer que se obedeceu a Deus? Acaso ele não devia ter atuado intensamente, como fez, para a preservação da vida das crianças assassinadas? Acaso ele devia ter ficado em seu canto, ainda mais que ele já estava perto do término de seu tempo na Arquidiocese?

Parece que há muitos que são céleres em censurar o bispo -- de novo: falo a católicos, pois é destes que mais se exige que entendam a atitude do bom prelado --, mas que têm um vagar irritante ao apresentar soluções para o caso concreto da menina de Alagoinha.

Mas a corajosa atitude de D. José, que até lhe tornou merecedor de uma homenagem dada pela Human Life International -- organização Pró-Vida atuante no mundo inteiro --, não foi coisa que agradou a todos, mesmo aqueles que dizem defender a vida. Eis o que foi escrito em um determinado site:
"E minha principal discordância em relação à “ortodoxia” é exatamente pela forma de enxergar o papel da doutrina como solução para os problemas do mundo. " [grifo no original]
E, mais à frente, justificando tal discordância, escreveram:
"(...) se acreditamos em algo maior, é no Amor. O amor que é maior que tudo, que regras, que doutrinas, que hierarquias… Sabemos que tudo isso, de certa forma, é verdadeiramente necessário – mas a experiência que temos com a pessoa de Jesus é mais do que qualquer cânone. É de um amor que nem sempre se manifesta no que se diz, mas em como se diz. Um amor que cuida. Que constrói aquilo que a lei mata…" [grifos no original]
Basicamente, aí vão os erros de enormes proporções.

Primeiramente, é exatamente a doutrina, a Doutrina Católica, a solução para os problemas do mundo. Se não ela, o que lhe tomaria o lugar como solução? É de surpreender que católicos não assumam isto como o rumo a seguir em sua atuação social e política.

Em segundo lugar, e o mais importante: querer criar uma artificial oposição entre o Amor e a Lei da Igreja é um erro de proporções gigantescas. Compreender a Lei da Igreja como algo sequer vagamente parecido como os legalismos farisaicos é coisa de quem parece compreender bem pouco o que seja a função da Igreja no mundo. Não fosse assim, deveríamos jogar fora o Código Canônico, o Catecismo, as Bulas Papais, as Encíclicas, as Constituições Apostólicas e tudo mais.

O mais curioso é que tais pessoas admitem que "regras, doutrinas e hierarquias" são necessárias, mas que a pessoa de Jesus é "mais do que qualquer cânone"... Pergunta-se: alguém diz algo em contrário? Alguém pensa seriamente que alguma "regra, doutrina ou hierarquia" seja mais do que Nosso Senhor Jesus Cristo? O engano, o gigantesco engano, é achar que as "regras, doutrinas e hierarquias" são fruto da vontade de homens. Imaginar tal absurdo é, na prática, crer que a forma concreta de a Igreja atuar no mundo é obra meramente humana, que as regras são feitas para agradar não a Deus e para melhor servi-Lo e salvar mais almas, mas para satisfazer vontades humanas; é crer que as doutrinas e hierarquias sejam obras humanas somente, que para nada servem quando em contato com a figura amorosa de Jesus.

Muito pelo contrário, a Igreja, Instituição Divina, atua entre nós, simples homens, de forma concreta, através das "regras, doutrinas e hierarquias". Imaginar que exista uma parte da Igreja que é simplesmente "tolerada" por Deus, e que em certos momentos é deixada de lado por que estaria em oposição à vontade de seu Divino Fundador, é coisa que foge em muito de qualquer entendimento católico, é como se Deus desse e tirasse autoridade de Sua Santa Igreja.

E coisa muito triste, também, é ver católicos que simplesmente não conseguem entender o que seja o disciplinar da Igreja e quais são seus objetivos ao utilizar-se destes instrumentos. Talvez acostumados com o mundo, e ainda mais com o que acontece aqui no Brasil, somos levados a pensar que qualquer tipo de pena tem a única função de punir. Não poderíamos estar mais enganados... Mesmo a duríssima pena de excomunhão, contra a qual, ironicamente, até ateus militantes revoltaram-se no caso da menina de Alagoinha, mesmo esta pena tem o objetivo claríssimo de levar-nos a tomar consciência da gravidade de nossos atos contrários à vontade de Deus e, assim, encaminhar-nos a uma reconciliação com Deus.

Mas o que subitamente ocorreu em toda confusão em Alagoinha foi que a simples declaração de D. José Cardoso Sobrinho de que quem autorizou e participou diretamente do crime do aborto das crianças estavam excomungados tornou-se um crime maior do que o próprio estupro, do que o próprio aborto duplo cometido, como agora bem se sabe, através do engano dos responsáveis diretos pela menina-mãe.

E não se enganem os católicos, a pessoa de D. José foi atingida, mas o objetivo de tal campanha difamatória muito bem orquestrada era atingir a Santa Igreja e seus princípios. E é por isto que até hoje pode-se ler os maiores absurdos sobre o caso, como quando muitos escrevem sobre o absurdo de o arcebispo ter excomungado a menina-mãe. Isto jamais aconteceu e é impossível acontecer pelo Código de Direito Canônico, mas jogar esta mentira serve como uma luva para que os objetivos dos detratores da Igreja consigam seus objetivos. E serve, também, para que o foco do caso, que é o assassinato frio e calculado de dois seres humanos, seja deixado de lado e as luzes sejam jogadas sobre D. José e a Igreja.

É triste também perceber que há quem critique a atuação de D. José Cardoso Sobrinho como errônea, pois este teria dado ênfase "no que" se diz, e não no "como" se diz. É bom que não se esqueça que D. José só abordou a questão da excomunhão após o aborto das crianças, antes do fatídico acontecimento, o bom bispo não poupou esforços para preservar as 3 vidas diretamente envolvidas.

O fato, porém, é que cobrar uma forma diferente de atuação de D. José deveria vir junto com a explicação mínima de como deveria ter atuado o bispo. Simplesmente dizer que o prelado atuou de forma equivocada, sem mostrar como deveria ser uma atuação ideal, parece muito mais com um engenheiro que critica uma obra pronta. Pena, pena mesmo, que até mesmo um bispo de alto relevo no Vaticano -- D. Fisichella -- tenha utilizado do mesmo expediente.

E a Lei, a Lei da Igreja, que D. José foi extremamente corajoso em proclamar a um mundo que não lhe dava ouvidos, era a única que se antepunha aos cruéis desejos dos abortistas. Não foram as belas palavras de um padre com discursos melosos de auto-ajuda, não foram magnânimos tapinhas nas costas de quem quer que seja que procuravam preservar as vidas das crianças infelizmente abortadas. Não. O único obstáculo ao objetivos obscuros de tantos era exatamente a Lei da Igreja, a mesma Lei que impulsionou a atitude corajosa de D. José.

E é exatamente por isto que a Lei da Igreja é o Amor, o Amor que luta contra o mal, e é extremamente absurdo que católicos ainda hoje, quando a informação e a formação estão disponíveis a todos que procurem, caiam no fácil discurso de que "a lei mata", como se a Lei da Igreja pudesse sequer ser comparada a qualquer vazio discurso farisaico.

Como Mãe e Mestra, a Igreja ensina, corrige, direciona e até pune quando necessário, mas sempre com o objetivo de direcionar todos para Deus. E este é um trabalho amoroso, feito com o aporte de uma Lei que de forma alguma mata, mas que busca a saúde da alma.

E, me é forçoso dizer, isto de criar uma oposição entre a Lei da Igreja e o Amor com que devemos atuar em todos os momentos, mesmo naqueles mais difíceis, é coisa que não é nova aqui no Brasil. Este é exatamente o método dos adeptos da Teologia da Libertação. Para estes, é corriqueiro vermos em seus discursos duas Igrejas: uma, divina, imaculada, invisível e espiritual; outra, criada pela vontade de homens, carregada de falhas, visível e corrompida. E é com estes argumentos que tais adeptos com a maior sem-cerimônia ignoram a Lei da Igreja, pois, para eles, esta Lei nada mais é que a voz daquela outra Igreja, da corrompida, e que deve ser ignorada. Exemplos não faltam cá entre nós para demonstrar o quanto esta visão é perniciosa e perigosa.

As críticas dirigidas a D. José e à sua atuação, assim como a criação de um falso embate entre o Amor e a Lei da Igreja, como se entre ambos não houvesse uma profunda identidade, necessitavam de um esclarecimento. E é muito chato que ainda hoje tenhamos que ler declarações ao meu ver impensadas sobre a atuação de D. José em um caso dificílimo.

Para terminar, é bom apenas que citemos a íntegra de um versículo que foi citado como forma de justificar uma preponderância do Amor sobre a Lei. A primeira parte do versículo é fundamental para seu real entendimento.
"Portanto, é a lei contrária às promessas de Deus? De nenhum modo. Se fosse dada uma lei que pudesse vivificar, em verdade a justiça viria pela lei" [Gl 3, 21] [grifos meus]
É necessário apenas que se diga que o grande apóstolo São Paulo falava da lei antes da encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo, e vejamos que ainda assim esta tinha a função de servir ao projeto de Deus. Será que podemos mesmo imaginar uma oposição entre o Amor e a Lei da Igreja, a mesma Igreja que é assistida e vivificada em todos os momentos pelo Espírito Santo?

No mais, é de lamentar muito que ainda hoje haja gente que sequer compreende minimamente o que seja ortodoxia, como se esta fosse um obstáculo a uma verdadeira espiritualidade. Chesterton, um dos maiores inlectuais católicos do século passado, exprimiu melhor do que ninguém que verdadeira loucura é abandonar a ortodoxia ou não compreendê-la:
"As pessoas adquiriram o tolo costume de falar de ortodoxia como algo pesado, enfadonho e seguro. Nunca houve nada tão perigoso ou tão estimulante como a ortodoxia. Ela foi a sensatez, e ser sensato é mais dramático que ser louco." - G.K. Chesterton

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