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quinta-feira, outubro 25, 2007

Sérgio Cabral Filho e o aborto - I

O governador do RJ, Sérgio Cabral, concedeu entrevista ao portal G1, na qual podemos ler o seguinte trecho:

"G1 – Mas o Brasil não consegue dar conta do mosquito da dengue. Teremos condições de resolver essa questão das drogas?
Cabral - O Brasil não dá conta do câncer. Não dá conta dos que necessitam de CTIs. Não dá conta de um monte de coisas. Se for partir para isso... São duas questões que têm a ver com violência: uma é a questão das drogas que é mais internacional. O Brasil deve contribuir. A outra, é um tema que, infelizmente, não se tem coragem de discutir. É o aborto. A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência pública. Quem diz isso não sou eu, são os autores do livro "Freakonomics" (Steven Levitt e Stephen J. Dubner). Eles mostram que a redução da violência nos EUA na década de 90 está intrinsecamente ligada à legalização do aborto em 1975 pela suprema corte americana. Porque uma filha da classe média se quiser interromper a gravidez tem dinheiro e estrutura familiar, todo mundo sabe onde fica. Não sei por que não é fechado. Leva na Barra da Tijuca, não sei onde. Agora, a filha do favelado vai levar para onde, se o Miguel Couto não atende? Se o Rocha Faria não atende? Aí, tenta desesperadamente uma interrupção, o que provoca situação gravíssima. Sou favorável ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada. Sou cristão, católico, mas que visão é essa? Esses atrasos são muito graves. Não vejo a classe política discutir isso. Fico muito aflito. Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. Estado não dá conta. Não tem oferta da rede pública para que essas meninas possam interromper a gravidez. Isso é uma maluquice só."

A quantidade de besteiras apenas nesta resposta indica a mediocridade do governador para tratar grandes questões. O primarismo de Cabral Filho é parecido com o que se espera de quem tente lidar com este tema em um botequim, no qual a seriedade das opiniões é inversamente proporcional à quantidade de álcool ingerido. A rasterice de seus pseudo-argumentos não se sustentam à mais leve brisa.

Apesar da superficialidade com que trata o tema, o governador parece ter particular gosto pelo mesmo. Logo no início de seu governo, ele abordou o tema, merecendo o elogio do jornalista Gilberto Dimenstein, e que já foi abordado neste blog (clique aqui). Dimenstein, então, chamou Sérgio Cabral Filho de "corajoso". Ah, a mútua atração dos medíocres...

A verdade é que a resposta de Cabral Filho é um emaranhado de idéias pessimamente fundamentadas e que têm em comum apenas a superficialidade, coisa que parece ser a marca registrada do governador. Mas o governador pode ficar tranqüilo, pois mediocridade, superficialidade, rasteirice faz parte do pacote básico de um bom abortista.

Seu discurso é tão trôpego que dificulta sobremaneira uma análise. Salta aos olhos de quem o lê a falta de unidade mínima nas idéias. É o discurso bêbedo de quem não gastou 2 segundos no tema.

O governador merece ser respondido por partes.

1) "A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência pública. Quem diz isso não sou eu, são os autores do livro "Freakonomics" (Steven Levitt e Stephen J. Dubner). Eles mostram que a redução da violência nos EUA na década de 90 está intrinsecamente ligada à legalização do aborto em 1975 pela suprema corte americana."

Aparentemente o governador fez uma boa argumentação, citando a fonte e tudo mais. Coisa de nível acadêmico mesmo. A tese de Steven Levitt vai muito citada aqui no Brasil e muitos imaginam que o norte-americano demonstrou sem quaisquer sombras de dúvida a íntima relação entre aborto e violência.

Nada mais enganoso... Quem compra o peixe que Levitt quer vender sem procurar saber mais sobre sua procedência, corre o risco de ficar com um best-seller na mão e pensar que ali estão todas as respostas para os problemas atuais. Saiba o governador que a tese de Levitt não é a unanimidade que ele pensa que é. Cientistas de renome já torceram o nariz para suas conclusões e alguns até mesmo criticaram fortemente a metodologia utilizada no "paper" que serviu de base para o texto que apareceu em "Freakonomics".

Em um post antigo neste blog (clique aqui), no qual um "mestre" também citou a tese de Levitt, escrevi assim:

"Sr. Kappaun, o "mestre", "esqueceu-se" de ir atrás de outras fontes que contestam a tal demonstração de Steven Levitt. Fizesse ele um pouquinho de esforço, uma simples pesquisa no Google ou coisa parecida, ele saberia que vários pesquisadores contestaram as afirmações do Sr. Levitt e não acharam a tal relação entre aborto e criminalidade. Alguns outros pesquisadores apontaram para o fato de a queda da criminalidade coincidir com o domínio das autoridades policiais sobre a praga do "crack", que grassou entre os jovens nas maiores cidades norte-americanas. Cientistas como Theodore Joyce (National Bureau of Economic Research) e Alfred Blumstein (Criminologista - Carnegie Mellon University) vêem nenhuma ou bem pouca influência da legalização do aborto. O Sr. Kappaun, o "mestre", não deu pelota para outros pesquisadores que têm pensamento contrário ao de Steven Levitt. Talvez ele pense que um autor de best-seller, diga o que disser, deva estar certo de qualquer maneira."

O governador Cabral Filho fez como o tal "mestre" e parece também acreditar que se está impresso em um best-seller deve mesmo ser coisa verdadeira.

Mais uma coisa, a legalização do aborto nos E.U.A. aconteceu em 1973, e não em 1975. Infelizmente o governador está errado... Digo infelizmente porque se ele estivesse certo, uma legalização ocorrida 2 anos mais tarde significaria milhares de vidas salvas de terminarem como lixo biológico, pois é disto que estamos tratando - do fim indigno de uma vida humana. É disto que estamos falando, governador, de vidas humanas que merecem ser tratadas com dignidade e não terem seus destinos decididos com pseudo-argumentos coletados em algum best-seller da moda.

2) "Porque uma filha da classe média se quiser interromper a gravidez tem dinheiro e estrutura familiar, todo mundo sabe onde fica. Não sei por que não é fechado. Leva na Barra da Tijuca, não sei onde. Agora, a filha do favelado vai levar para onde, se o Miguel Couto não atende? Se o Rocha Faria não atende? Aí, tenta desesperadamente uma interrupção, o que provoca situação gravíssima."

Agora o governador tenta uma linha de argumentação apelativa ao social, ao velho tema de "os-ricos-podem-então-os-pobres-também-devem-poder". É a luta de classes invadindo o tema do aborto.

O governador, ao menos, é coerente. Coerente em sua mediocridade, mas, ainda assim, coerente. Na mesma entrevista ele defendeu a legalização das drogas. Parece que o governador não pode ver uma ilegalidade que, em vez de tratar do problemas com os instrumentos de que dispõe, ele prefere mesmo é lutar para que o delito passe a ser legal. Dá bem menos trabalho, não é, governador?

Então os pobres também devem ter o "direito" de abortar já que os mais abastados o podem? É por demais curioso o método de resolução de problemas do governador...

Aliás, beira o surreal a frase "Não sei por que não é fechado" saída da boca de um governador, que tem a polícia sob seu comando. Como assim não sabe? É simples: é devido à sua incompetência, governador! É a sua ligeireza ao tratar do tema que o leva a até mesmo a deixar de reconhecer o escopo de seu trabalho. O aborto é crime no Brasil, mas a polícia de Sérgio Cabral Filho escolhe os crimes que deve combater. Parece que Sérgio Cabral Filho, que torna-se a cada dia mais próximo do presidente Lula, está absorvendo o método deste último de abordar questões complicadas: "não sei", "não vi", "não é comigo".

Se Sérgio Cabral Filho vira para o lado quando ciente de um crime, não se surpreenda quando a população de seu estado também deixá-lo de lado nas próximas eleições.

[Continua no próximo post.]


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