João Helio - assassinado em 07/02/2007 |
Há 7 anos, mais precisamente no dia 07/02/2007, o menino João Helio, aos seis anos de idade, foi arrastado por vários bairros do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, preso pelo cinto de segurança do automóvel de sua mãe que havia sido roubado.
Justificadamente, houve comoção nacional com a tragédia. Manchetes foram escritas, especialistas em Segurança Pública foram ouvidos, sociólogos foram entrevistados, etc. Como a atrocidade aconteceu perto da época do Carnaval, chegou-se ao ponto de algumas escolas de samba "homenagearem" João Helio através de cartazes nos desfiles, de coreografias... Claro, nada como se mostrar solidário com o drama vivido pelos familiares do menino antes de cair no samba, não é mesmo? Nossa cara-de-pau parece não ter limites...
Mas no meio de toda esta pantomima, tão comum entre nós sempre que acontece uma tragédia de tal porte, havia também uma indignação sincera da população contra um crime tão bárbaro cometido contra uma criança. Somava-se a isto o fato de entre os bandidos haver um rapaz ainda menor de idade, e a população sabe bem o que isto significa: impunidade, mesmo para os crimes mais hediondos que se possa imaginar.
Como era natural, o tema da redução da maioridade penal voltou a surgir, pois sequer imaginar que alguém possa participar de um crime como aquele e sair impune após meros 3 anos de medidas sócio-educativas é para revoltar qualquer um. Como era também natural, naturalíssimo até, os suspeitos usuais vieram a público para, do alto de seus pedestais, dar o alerta para o perigo de uma precipitação em relação ao assunto, para o risco de nos deixarmos levar pelo calor do momento. Houve até quem dissesse que pensar em tal assunto naquele momento fosse sinal de barbaridade. Foi isto o que declarou à época o sociólogo Ignacio Cano:
"Isso seria uma resposta bárbara a um crime bárbaro que só faria aumentar a espiral da barbárie. Vejo nisso uma repercussão excessiva, apesar do caráter extremamente perturbador do crime, um raciocínio primitivo porque as pessoas estão reagindo emocionalmente. Tentar extrair políticas públicas de um caso extremo como esse é demais.”
Pois é... Para o professor Cano, bárbaros somos nós que nos indignamos que um rapaz possa participar do trucidamento de um menino de 6 anos e passar apenas 3 anos em repouso em uma unidade correcional, boa parte deste tempo provavelmente em regime semi-aberto. O sociólogo faria bem melhor em explicar a nós mortais como a "espiral da barbárie" poderia aumentar quando apenas se deseja que os culpados cumpram penas de acordo com a natureza de seus crimes. E faria mais bem ainda se nos ensinasse como um criminoso cumprir apenas 3 anos de medidas sócio-educativas, após tratar uma criança com menos dignidade do que a devida a um animal, fará para diminuir a tal "espiral da barbárie".
Na verdade, o que aconteceu mesmo com a "espiral da barbárie" -- para continuar a utilizar o vocabulário do professor -- foi que o menor de idade cresceu, atingiu a maioridade e a última notícia que se tem dele é que voltou a cometer crimes, sendo autuado por posse ilegal de arma de fogo, tráfico e corrupção. Ao que parece, a "espiral da barbárie" não segue os ditames de certos especialistas.
Ana Clara, queimada viva em 03/01/2014 |
Na verdade, a barbárie vinda dos bandidos continua recrudescendo: no dia 3 de janeiro deste ano, a menina Ana Clara e mais outros 5 passageiros ficaram queimados após o ônibus em que seguiam ser parado e incendiado a mando de encarcerados no sistema prisional do Condado dos Sarneys, também conhecido como estado do Maranhão. Com 95% de seu corpo queimado, Ana Clara, também de 6 anos de idade, como João Helio, não resistiu aos graves ferimentos, vindo a falecer 3 dias após o ataque.
Segundo informações, dos seis detidos acusados de participação no crime, dois são menores de idade. Alguém está mesmo surpreso com isto? Como os bandidos, bem ao contrário de certos sociólogos, sabem muito bem detectar as mensagens que a realidade lhes passa, a utilização de menores em tais tipos de ataques é cada vez maior, pois eles sabem que a pena na eventualidade remota de alguém ser preso será muito branda, totalmente desproporcional ao crime praticado. Você sabe que um país está sem rumo quando os bandidos são mais realistas que os sociólogos, poderia alguém dizer...
Mas como a barbaridade não encontra freio em nossa Justiça ou nas políticas públicas, ontem fomos brindados com a notícia de que um "menino" de 17 anos e 364 dias de idade assassinou friamente Yorrally, de 14 anos, sua ex-namorada, com um tiro no olho. Não satisfeito, o "menino", do qual eu não posso sequer citar o nome, gravou seu crime e o enviou aos seus amigos.
Yorrally Ferreira No primeiro quadro, um frame do vídeo feito pelo ex-namorado mostrando o assassinato |
Premeditação, motivo fútil, falta de remorso, etc. Dá para se pensar em um monte de agravantes para o crime cometido pelo "menino", mas nada disto adiantará, pois ele passará no máximo 3 anos de sua vida em medidas sócio-educativas e depois poderá sair para conhecer outras meninas e, quem sabe?, novas vítimas. Tudo com a conivência de muita gente bem pensante.
Há 7 anos morria João Helio. Há alguns poucos meses morreu Ana Clara. Há um dia morreu Yorrally. E muitos outros morreram em crimes cometidos por menores de idade. E aí? Será que agora podemos rever a legislação referente à maioridade penal ou será que ainda estamos "reagindo emocionalmente"? Ou será que estamos contribuindo para aumentar a "espiral da barbárie"? Quando será que teremos a permissão para nos indignar sem que sejamos nós os bárbaros?
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